sábado, 5 de outubro de 2013

A Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE) é uma cardiopatia congênita que apresenta grande espectro morfológico com estenose ou atresia da valva mitral e estenose ou atresia da valva aórtica associado a vários graus de hipoplasia do ventrículo esquerdo. O estudo detalhado da anatomia é fundamental para se propor o tratamento cirúrgico adequado. A forma mais frequente de apresentação da SHCE é a presença de estenose mitral e atresia aórtica, ocorrendo em 36,1% dos pacientes. A presença de atresia aórtica na SHCE é um fator de risco substancial e tem relação com baixo débito no período de pós-operatório imediato [1], sendo frequentemente acompanhada de aorta ascendente extremamente hipoplásica (AH) (diâmetro menor do que 3 mm), influenciando no desempenho do ventrículo direito que, em consequência da dificuldade de perfusão retrógrada aórtica das coronárias estaria mais exposto à isquemia. 

O desempenho neurológico é uma preocupação importante no tratamento da SHCE e a utilização de circulação extracorpórea (CEC) associada à parada circulatória total com hipotermia profunda pode contribuir para aumentar o risco de alterações neurológicas. Para diminuir esse fator de risco, o uso da CEC com perfusão regional cerebral anterógrada (PRCeA) tem sido usada para aumentar a neuroproteção durante a reconstrução do arco aórtico e teoricamente diminuir o dano neurológico [2]. A diminuição do tempo de pinçamento da aorta (PA) pode ser um fator importante na preservação da função do ventrículo direito, principalmente quando a aorta ascendente tiver um diâmetro muito hipoplásico. Com o uso da perfusão regional coronariana retrógrada (PRCoR) neste grupo de crianças foi possível a realização da operação de Norwood com o coração batendo, diminuindo o tempo de PA. 


MÉTODOS

No período de dezembro de 2006 a fevereiro de 2008, foi realizada a operação de Norwood modificada com tubo entre o ventrículo direito e as artérias pulmonares ou operação de Sano em oito crianças (quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino), com idade média de 9,2 dias (variando de 1 a 29 dias) e peso médio de 3,3 kg (variando de 2,7 a 3,8 kg). As crianças eram portadoras de SHCE e aorta AH (Figura 1) com diâmetro médio de 2,3 mm (variando de 2,0 a 3,0 mm). Após a realização de esternotomia, instalada CEC com fluxo total (100-150 ml/kg/min) e hipotermia nasofaríngea de 25°C com administração de clorpromazina (5 mg/kg) para diminuir a resistência vascular sistêmica. Foram utilizadas duas cânulas venosas e um tubo de politetrafluoretileno (PTFE) de 4 mm anastomosado na artéria inominada como linha arterial e para realizar PRCeA. A PRCoR foi realizada através de um desvio na linha arterial (Figura 2) e colocação de um cateter na aorta ascendente de número 4 ou 6 French (dependendo do diâmetro desse vaso) na junção entre a aorta ascendente e o arco aórtico (Figura 3). 


Fig. 1 - Aorta ascendente extremamente hipoplásica em criança portadora de síndrome da hipoplasia do coração esquerdo


Fig. 2 - Desvio na linha arterial para realizar perfusão retrógrada coronariana regional


Fig. 3 - Cateter na junção entre a aorta ascendente e o arco aórtico para realização de perfusão retrógrada coronariana regional



Para se monitorizar a pressão durante a PRCeA foi realizada punção ou dissecção da artéria radial direita. Após o término da CEC, foi utilizada ultrafiltração modificada. Com o coração batendo foi realizado atriotomia direita e atrioseptectomia. O tronco pulmonar foi seccionado próximo à origem dos ramos pulmonar direito e esquerdo. O segmento distal do tronco pulmonar foi fechado com um retalho de pericárdio autólogo fresco, onde uma incisão linear foi realizada para receber a anastomose distal do tubo de PTFE da operação de Sano. 

O diâmetro do tubo de PTFE foi 4 mm para crianças com peso inferior a 3,3 kg e de 5 mm para crianças com peso superior a 3,3 kg. Após o pinçamento da aorta descendente, do pinçamento da artéria inominada proximal ao tubo de PTFE, com direcionamento do fluxo para a circulação cerebral com fluxo de 40 ml/kg/min para se obter uma pressão arterial média de 40 mmHg, e garroteamento das artérias carótida e subclávia esquerda, foi realizada secção da aorta ascendente na junção com o arco aórtico, mantendo-se a perfusão das artérias coronárias com PRCoR. 

Após ligadura e secção do canal arterial, a pequena curvatura do arco aórtico foi aberta da artéria inominada até a aorta descendente, todo o tecido do canal arterial foi ressecado e a aorta foi ampliada com pericárdio autólogo fresco e a neoaorta foi reconstruída realizando-se a anastomose do TP com o arco aórtico. Até este ponto a cirurgia foi realizada com o coração batendo em consequência da PRCoR. Com administração de cardioplegia de Saint Thomas acrescida de sangue na proporção de 3/1 por meio do cateter utilizado para PRCoR, foi realizada anastomose da aorta ascendente com a neoaorta (Figura 4). Finalmente, com o coração batendo, foi realizada a anastomose proximal do tubo de PTFE da operação de Sano com o ventrículo direito. Todas as crianças ficaram com o esterno aberto e posteriormente foram submetidas na UTI a fechamento do tórax. Analisamos neste grupo de crianças a mortalidade cirúrgica e a presença de alteração neurológica identificada ao exame físico de rotina.


Fig. 4 - Anastomose da aorta ascendente hipoplásica com a neoaorta



RESULTADOS

O tempo médio CEC foi de 145,7 minutos (variando de 100 a 235 minutos) e o tempo médio de PA foi de 29,7 minutos (variando de 19 a 43 minutos). A mortalidade cirúrgica e hospitalar foi de 25%. Nenhuma criança apresentou crise convulsiva ou alteração motora identificada ao exame clínico.

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